Pois é Cilon Brasileiro… hoje é contigo que quero falar
Cara, esta semana começou na manhã do domingo comigo lavando louça e a Júlia vindo dizer que havia dado um incêndio em Santa Maria e eu seguindo a lavar louça (incêndio por incêndio, toda hora acontece em qualquer lugar) mas aí ela falou que parece que haviam morrido diversas pessoas e estavam procurando o Arthur. Como assim? Larguei pia e corri em busca da internet. Naquela hora da manhã já falavam em trinta mortos (terror total) e a cada instante crescia – inacreditável – impossível – impensável – Santa Maria NÃO!! Não em Santa Maria!
Santa Maria é lugar de esperança, de ir em frente, de criar caminhos… Santa Maria não combina com perdas , com desesperos, desesperanças… Santa Maria é lugar de sonho e de esperança e todos que lá chegam trazem mochilas cheinhas de esperança, sonho e contentamento.
Lá se vão trinta e muitos anos quando cheguei de mala e cuia em Santa Maria; Santa Maria chegou em mim bem antes… era criança e acompanhava meus tios se quebrando para passar no vestibular e irem para Santa Maria se tornarem doutores, e em um feliz janeiro dos anos sessenta tu entrou na medicina da UFSM, Cilon – tu e o Lúcio e o Juarez – muita alegria, tu e teus irmãos, meus três tios asseguraram suas vidas, seriam médicos pela UFSM e a partir daí, a cada vinda de vocês à Santo Angelo, suas malas vinham recheadas de sonhos e novidades e me ensinaram que um dia chegaria “o meu dia” e eu também iria para a UFSM fazer minha vida. Era tão longe de Santo Angelo, estrada de barro puro e lá chegando ví edifícios tão altos como jamais imaginava que existiriam, tudo muito cinza, inverno gelado, mas lá eu sabia que era meu lugar para ter um diploma universitário, para obter meu passaporte para a vida adulta, para receber minha formação profissional.
Foi em Santa Maria que minha mãe apostou por uma nova vida e saiu de sua terra natal para fincar novas raízes e oportunizar à seus filhos a experiência universitária. Dos três filhos da Olila, fui a única premiada com uma vaga na UFSM, meus irmãos foram fazer suas formções em outro lugar, viver espaços diferentes. Só sabe o valor da vivência universitária em Santa Maria, quem por lá esteve, só sabe da grandez de ter estado lá quem antes sonhou com o “estar lá”.
Pois foi na madrugada para amanhecer o último domingo que quase duzentos estudantes da UFSM perderam suas vidas juntos, empilhados (ou abraçados – aconchegados). Dentre quase duzentos e cinquenta jovens, foi um número enorme de gurizadinhas maralanianas que fizeram a mesma trilha regados pelos mesmos sonhos e que abraçados deixaram a vida.
Cilon, Juarez e Lúcio, vocês que abriram meus caminhos foram lembrados a cada instante desta última semana.
E agora eu aqui cinquentona, em final de carreira, a mim coube fazer os exames laboratoriais de alguns dos jovens que tiveram o privilégio de sairem vivos. Monitorar o comportamento de seus organismos tentando vencer a luta frente á morte. São Ingrid’s, Pedro’s, Rafaella’s, Kawe’s são gurizadinhas estudantes, filhos de pais da minha idade ou ainda mais jovens, são o “povo da UFSM” lutando pela vida e eu (e meus colegas ) num turbilhão de emoções a cada instante.
Não quero falar dos que se foram, porque a dor é muito grande, mas estes que aqui estão lutando para seguirem adiante, saibam meninos e meninas que segurando suas mãos, têm um número enorme de colegas de UFSM (que são décadas de espaço, né?) trabalhando , chorando e rezando por vocês.
Não quero falar dos amigos e conhecidos que perderam seus filhos e alunos porque aí é dor demais…
Cilon, quero te agradecer pela grandiosidade que tu fostes como professor e orientador e te digo, meu querido, nossos colegas de UFSM estão sendo bem cuidados – Resta pedir ao deus, deuses, orixás que protejam cada guri e guria, os que aqui lutam pela vida e os que daqui partiram para nova caminhada.
Santa Maria da Boca do Monte nos cuide e nos governe para que tenhamos conhecimento e sabedoria para auxiliarmos nossos jovens colegas na busca da paz e tranquilidade